Bem antes da relação de representantes do Brasil na Paralimpíada de Tóquio (Japão) ser anunciada, parte dos atletas sabia que o nome lá estaria, seja por terem cumprido requisitos pré-definidos – como ser campeão mundial, nos casos de atletismo e natação – ou atingido a colocação necessária no ranking mundial das respectivas modalidades. Outra parcela teve que aguardar os tradicionais convites das federações internacionais para ocupar vagas remanescentes. É neste grupo que se encontra David Freitas, um dos 14 mesatenistas brasileiros que estarão nos Jogos.
A primeira forma de classificação direta à Paralimpíada seria conquistar a medalha de ouro individual nos Jogos Parapan-Americanos de Lima (Peru), em 2019. Na ocasião, o cearense de 43 anos – que perdeu os movimentos dos membros inferiores, após uma cirurgia para retirada de um tumor benigno da medula, em 2004 – foi superado pelo norte-americano Jenson Van Engburg nas quartas de final da classe 3, uma das cinco categorias voltadas a cadeirantes.
Outra possibilidade era estar entre os dez primeiros da categoria no ranking de abril de 2020 na Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF, sigla em inglês). Como aparecia na 37ª posição, restaria a David a seletiva internacional, realizada na Eslovênia no começo de junho (ele não competiu), ou aguardar a aprovação de um convite pedido pela Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM). Na manhã do último dia 26 veio, enfim, a notícia tão aguardada.
“Passei a madrugada acordado. Fui dormir quase 1h, tomei um relaxante, mas acordei às 3h. Estava contando as horas. Lá pelas 7h30, acabei não aguentando e apaguei. Quando acordei, foi com a ligação do Raphael [Moreira, técnico da seleção paralímpica de tênis de mesa]. Ele não ligaria para me dar uma má notícia [risos]. Foi uma coisa surreal. É o sonho de qualquer atleta participar de uma Paralimpíada. Será a minha segunda”, contou David à Agência Brasil.
Dono de três medalhas de ouro em Parapans (duas por equipes e uma individual), David é natural de Fortaleza e viveu lá por 37 anos antes de se mudar para Eusébio, cidade da região metropolitana da capital, onde concilia os treinos com a profissão de agente de trânsito no Departamento Estadual de Trânsito (Detran) local. Chefe do posto municipal, envolve-se tanto na parte burocrática como na fiscalização propriamente dita.
“Gosto mais de trabalhar com fiscalização. Sempre preferi lidar com o público, na blitz, onde sou bastante atuante. [Sobre equilibrar trabalho e competição] Graças a Deus, nunca houve objeção. Pelo contrário, tanto Detran como o governo do estado sempre foram solícitos em me liberar para competições. Saber que tinham um atleta no quadro de funcionários era uma coisa importante para eles”, afirmou o mesatenista.
Durante boa parte da pandemia do novo coronavírus (covid-19), David precisou se dedicar quase que integralmente ao trabalho como agente, com atuação nas barreiras sanitárias. Além disso, o fechamento de academias em razão do lockdown pelo qual passou o Ceará dificultou a preparação.
“Isso [ficar sem treinar] me trouxe alguns males. Fiquei com ansiedade, um pouco depressivo, com temores. Coisas que o esporte [inibia] pela serotonina. Quando retomei as atividades, depois de vacinado, foi só alegria e felicidade. A vacinação foi importantíssima. Mantenho os cuidados necessários, mas aquele medo que estava me freando diminuiu 90%. Sou um cara muito feliz com a modalidade que pratico. O esporte me reinseriu na sociedade. [Depois da cirurgia de 2004] Passei muito tempo retraído, por conta de preconceito, das pessoas taxarem de coitadinho. Eu era muito ativo, comunicativo. Tive depressão, emagreci muito. O esporte me deu prumo na vida”, destacou o cearense.
David estreou em Paralimpíadas na edição passada, no Rio de Janeiro. Em simples, parou ainda na fase de grupos. No torneio por equipes, ele e o paranaense Welder Knaf chegaram à disputa do bronze, mas foram surpreendidos pelos tailandeses Anurak Laowong e Yuttajak Glinbancheun (este último até então desconhecido no circuito). Cinco anos depois, a parceria Ceará/Paraná estará novamente lado a lado na mesa.
“Apesar de morarmos em extremos do país, temos uma afinidade grande em nosso jogo. Temos mais êxitos juntos do que derrotas. Às vezes, jogamos duas, três vezes juntos no ano. A gente sabe que a logística dificulta, mas temos um bom entrosamento. Por pouco não ganhamos medalha no Rio, mas acredito que, nesta agora, não vamos deixar escapar”, disse o mesatenista nordestino, que confia em um rendimento melhor em Tóquio do que teve no Brasil.
“Por incrível que pareça, prefiro jogar fora de casa. Acabo jogando mais à vontade. No individual, acho que o calor da emoção acabou afetando um pouco [no Rio]. Acredito que, em Tóquio, chego mais experiente, entendendo a magnitude da competição”, avaliou David.
Além do cearense, também conquistaram vagas por convite Marliane Santos (classe 3) e Millena França (7). Cinco atletas da delegação se classificaram para os Jogos graças ao ouro no Parapan de Lima: Joyce Oliveira (4), Paulo Salmin (7), Luiz Filipe Manara (8), Danielle Rauen (9) e Carlos Carbinatti (10). Outros cinco se credenciaram via ranking mundial das respectivas classes: Cátia Oliveira (2), Welder Knaf (3), Israel Stroh (7) e Lethícia Lacerda (8). Por fim, Jennyfer Parinos (9) foi campeã da seletiva internacional da categoria.
O Brasil conquistou cinco medalhas no tênis de mesa na história da Paralimpíada. A primeira, de prata, veio nos Jogos de Pequim (China), em 2008, com a dupla Welder e Luiz Algacir Silva na classe 3. Na Rio 2016, foram quatro pódios. No individual, Israel Stroh levou a prata na classe 7 e Bruna Alexandre obteve o bronze na classe 10. Na disputa por equipes, mais dois bronzes: um com Iranildo Espíndola, Guilherme Costa e Aloísio Lima (classes 1 e 2) e outro com Bruna Alexandre, Danielle Rauen e Jennyfer Parinos (classes 6 a 10).
Em Tóquio, as disputas do tênis de mesa começam no dia 25 de agosto, com as chaves individuais, que seguem até dia 30. De 31 de agosto a 3 de setembro, ocorrem os torneios por equipes.
(Agência Brasil)