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Amor, tema para antes dos poetas

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O obstetra francês Michel Odent, porta-voz do parto humanizado, diz que precisamos pensar no futuro da humanidade e respeitar mais a mulher e toda a fisiologia envolvida no momento de dar à luz

“Para mudar o mundo, precisamos mudar a forma de nascer.” Com essa frase, o obstetra francês Michel Odent tem chamado a atenção das mais diversas culturas para a importância do parto e de como os seres humanos são recebidos na vida fora da barriga. É preciso, diz ele, resgatar a simplicidade do parto. E, com ela, a explosão de amor formada por uma dança de hormônios que a mulher libera nesse momento. Para que isso aconteça, é necessário silêncio. A medicalização e as consecutivas intervenções desnecessárias, como se observa nos centros cirúrgicos, fazem com que o organismo interrompa a produção desse coquetel hormonal. Tais procedimentos deveriam ser questionados, segundo ele, ao pensarmos no futuro da civilização. “Hoje, nós podemos entender que a capacidade de amar é em grande parte organizada e construída durante o período que cerca o nascimento”, afirma Odent, em entrevista ao documentário O Renascimento do Parto (Brasil, 2013, direção de Eduardo Chauvet). Aos 85 anos, nascido em casa, ele dedicou as últimas décadas a estudar os processos do nascimento. Fundou o Instituto de Pesquisa Primal, em Londres, centro de pesquisa que compila estudos sobre esse momento da vida. É autor de 14 livros, traduzidos em 22 idiomas – sua obra mais recente, ainda em tradução, será lançada no Brasil no final deste ano, assim como um instituto que levará seu nome em Brasília.

O senhor fala muito sobre a importância dos hormônios liberados naturalmente durante o parto para a relação entre mães e filho. Estamos subestimando esse valor? 
Os hormônios liberados durante o parto formam um coquetel complexo que tem, em parte, efeitos físicos e, em parte, efeitos comportamentais. Cada um desses hormônios pode ter características específicas como também pode potencializar a atuação de outros hormônios. A melatonina, por exemplo, reduz a atividade do neocórtex (parte do cérebro mais desenvolvida da espécie humana). Esse repouso do nosso “cérebro pensante” é uma precondição para o parto. Por outro lado, a melatonina age diretamente no músculo uterino em sinergia com a ocitocina.
A ocitocina que é considerada o hormônio do amor? 
A ocitocina está presente em tudo o que está relacionado ao amor. Pode ter resultados físicos (contrações uterinas durante o parto, contração das células mamárias durante o reflexo de ejeção do leite, contrações da próstata e das vesículas seminais durante o reflexo da ejeção do esperma). A ciência descobriu que ela também tem consequências comportamentais: está ligada à formação de laços, vínculos – quando a mãe olha para o filho–; diminui a ansiedade e o estresse; e oferece uma inexplicável sensação de bem-estar (é liberada durante o orgasmo). Acontece que o organismo deixa de produzir hormônios quando estes são injetados artificialmente.

Está se referindo à ocitocina sintética, injetada por médicos nas parturientes para acelerar o parto?
Sim. Quando falamos de ocitocina sintética, trata-se de uma forma de substituir o hormônio natural que as mulheres deveriam liberar por si próprias. Podemos tornar os hormônios do amor inúteis no momento crucial do nascimento. Em todo o planeta, o número de mulheres que dá à luz seus bebês graças à liberação do coquetel natural de hormônios é próximo de zero. Não consigo pensar numa pergunta mais importante do que esta: qual o futuro da humanidade nascida pelo uso da ocitocina sintética?
Pode explicar de que maneira esse processo acontece? 
Até recentemente, apesar das diversas interferências culturais, para ter um bebê, a mulher contava com uma descarga natural de hormônios. Mamíferos em geral, incluindo mulheres, liberam hormônios para terem bebês. A ocitocina é o principal deles, mas há também a prolactina, a endorfina, entre outros. De novo, hoje sabemos muito sobre os efeitos comportamentais destes hormônios. Não é somente a contração do útero, a ocitocina faz com que as mães se sintam conectadas com suas crias. Antes, para ter um bebê, as mulheres eram obrigadas a lançar esse coquetel de hormônios do amor. Boa parte das mulheres hoje recebe umas gotas de ocitocina sintética por sugestão médica para acelerar o trabalho de parto. Mas essa intervenção bloqueia a liberação da ocitocina natural sem ter a mesma vantagem comportamental. Também, em geral, as mulheres recebem outras drogas para o alívio da dor, como a anestesia epidural, que substitui as endorfinas. E a maioria das mulheres de hoje, como todo mundo sabe, tem seus fi lhos por meio cirurgia cesariana. Finalmente, quando misturamos tudo isso, podemos dizer: o número de mulheres que dão à luz o bebê e a placenta é ínfimo, quase zero.
Placenta? 
O pico mais alto da ocitocina, o principal “hormônio do amor”, acontece no momento do nascimento da placenta, logo após o do bebê.
Como eram os partos antigamente? 
Durante o inverno de 1953-1954, quando eu era estudante, passei seis meses na maternidade do Hospital de Paris. Lembro de ver mulheres parindo num quarto pequeno, sozinhas, apenas com as parteiras sentadas num canto tricotando sem parar. Muito tempo depois fui ouvir cientistas mostrarem estudos sobre a importância das tarefas repetitivas para manter baixas as taxas de adrenalina – esta é a chave para a mulher entrar em trabalho de parto com naturalidade. Porque, se ela está liberando adrenalina (hormônio associado ao medo e ao estresse), não solta a ocitocina, necessária para o trabalho. As parteiras contribuíam para isso intuitivamente apenas tricotando, uma atitude simples (a parteira não pode liberar adrenalina de forma alguma. Ao ficar calma e em silêncio, ela transmite isso à parturiente). Era uma época em que ter um bebê parecia mais simples e rápido.
Hoje em dia isso não parece tão simples. Inclusive há inúmeros cursos para o parto, especialmente o natural… 
Esses cursos são muito complicados. Acho que é preciso redescobrir a simplicidade. Os melhores lugares para o trabalho de parto são os tranquilos, calmos, especialmente com parteiras silenciosas – não precisam ser especialistas  em tricô, mas devem manter-se serenas, com seu nível de adrenalina o mais baixo possível. Elas estão no lugar das mães – não podem fazer parte da equipe médica. As mulheres parindo precisam estar em privacidade, sem se sentirem observadas ou julgadas.
Qual é a sua postura em um parto? 
Nos partos em casa, vou acompanhado de uma doula. Em geral, fico longe, na cozinha, por exemplo, mantendo o pai ocupado. Converso, falo de coisas engraçadas. Deixo as duas mulheres juntas sozinhas em outra parte da casa. Esta doula tem uma incrível capacidade de silenciar, de manter-se quieta. E vemos que o melhor lugar para o trabalho de parto é quando não há ninguém por perto. É sempre fluido e descomplicado.
O parto em casa é melhor? 
Sou um estudante interdisciplinar da natureza humana: não defendo nada. O que posso fazer é apontar as diferenças entre os diversos lugares no momento do nascimento. Por exemplo: um parto em casa acontece em um ambiente bacteriologicamente familiar para a mãe (e para o bebê, uma vez que os anticorpos maternos atravessam a placenta). É uma garantia de que o sistema imunológico do bebê será, desde o nascimento, educado para micróbios conhecidos, pois já são familiares.
Certa vez, o senhor disse: “Quanto mais necessidade uma sociedade tem de desenvolver a agressividade e a capacidade de destruir a vida, mais invasivos são os rituais e as crenças culturais no período do nascimento”. Como funciona essa relação?
Essa é uma observação. Por exemplo, em Esparta, uma cidade-estado de guerreiros, os rituais eram muito agressivos: o recém-nascido homem era jogado imediatamente no chão. Por outro lado, em grupos étnicos que vivem da agricultura e que tiveram poucas ocasiões de terem que defender seus territórios e dominar a natureza ou outros grupos, não existem rituais no período que cercam o nascimento (por exemplo os índios Pirahãs, na Floresta Amazônica brasileira). 
Existe alguma cultura onde haja um modelo de parto adequado?
Não devemos nos basear em nenhum modelo de parto de nenhuma cultura. Não temos um modelo cultural. Precisamos do ponto de vista dos fisiologistas, não dos cientistas. Cientistas estudam as funções do corpo. Os fisiologistas falam a mesma língua, seja em Tóquio ou em Londres. Essa perspectiva que nos traz as funções naturais do corpo é que precisa ser resgatada. O ponto não é reduzir o número de cesarianas. O ponto é redescobrir a fisiologia do parto.
Seu novo livro será lançado no Brasil ainda neste ano. Por que o senhor chegou a dizer que não é para mulheres grávidas?
O tempo de gestação é muito precioso para que as mulheres fiquem lendo. Elas precisam viver em paz. Contemplar a Lua, escutar uma bela música…
O que diria para uma mulher que está grávida? 
De imediato, sem dúvida, eu a escutaria, se ela tivesse necessidade de falar. E, se ela me perguntasse algo que eu sou capaz de responder… Bem, neste caso, tentaria ser levado por ela a dizer alguma coisa…

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