A atriz Clarice Niskier dá de ombros para os padrões estéticos. O que procura mesmo é perseguir uma única beleza: a de quem se vê como um todo, e não aos pedaços
“O teatro é a arte de fazer am…”. Clarice estava terminando de dizer a palavra amor quando o celular tocou. Pausa para atender. Já tinham se passado 23 minutos de entrevista com a atriz carioca, de 55 anos e personalidade gentil e divertida. Ela sobe aos palcos do teatro Eva Herz, em São Paulo, cinco vezes por semana para atuar em dois monólogos: A Lista (da canadense Jennifer Tremblay) e A Alma Imoral. Adaptada do livro homônimo (ed. Rocco), de Nilton Bonder, a segunda peça está em cartaz há nove anos refletindo sobre a natureza transgressora inerente a toda pessoa, numa interpretação feita por Clarice praticamente nua, acompanhada apenas por um lenço que a cobre e descobre conforme a narrativa. Para ela, a nudez tem várias camadas para serem honradas: a física, a emocional e a espiritual. De todas, cuida com atenção e disciplina. Faz aulas de pilates, ioga, dança, alongamento e voz, além de meditação (é praticante do budismo theravada). Mantém os exames médicos em dia e é adepta da homeopatia e da terapia floral. Desse caldeirão vigoroso retira o equilíbrio para estar na vida com coragem. A atriz desliga o celular e diz: “Acabei de receber um convite do Teatro Municipal de Niterói (RJ) para fazer as duas peças lá. Se não tivessem a certeza de que estou bem, não me convidariam”.
Nesta entrevista, ela conta como se cuida para fazer amor não apenas com o teatro, mas com toda existência.
Há nove anos você faz A Alma Imoral nua. Com o tempo, nosso corpo nua. Com o tempo, nosso corpo muda, envelhece. Como você honra o seu feminino diante disso?
Hoje, por incrível que pareça, a nudez é mais natural para mim. Aos 55 anos eu tenho muito menos medo de ser julgada. O que estou dizendo na peça me veste. E não é só isso. Nós vivemos no mundo real e o mundo real é o da comparação. Mas existem outros terrenos onde você não pode e nem deve se comparar. Nesse terreno, no qual eu acredito, todo mundo tem seu espaço e sua beleza. O mercado usa uma citação do Vinicius de Moraes – ‘as feias que me perdoem, mas beleza é fundamental’ – de forma equivocada. Quando o poeta disse isso, ele, na verdade, não estava criando um padrão do que é belo. Estava dizendo que haver beleza é fundamental.
O que é a verdadeira beleza?
É como cada um se vê. A feia é aquela que não vê nenhuma beleza em si, que se martiriza e tem um processo autodestrutivo. Esse é um conceito do feio que eu compreendo. Eu vejo graciosidade nas pessoas, esse é o meu olho, eu nasci assim – algo considerado desajeitado, para mim, é bonito. Na adolescência, vivia um paradoxo. Olhava-me no espelho e, fazendo um paralelo com as demais meninas, achava o meu nariz maior do que o das outras. Mas quando eu me observava atentamente, sem referências, via uma beleza nele e era isso que eu queria preservar. Eu me questionava: ‘por que é que a gente tem que ficar se comparando?’. Então, não me venham impor padrões. A Gisele Bündchen é linda, mas linda como milhões de outras lindas. Cada um é lindo do seu jeito.