As toneladas de resíduos orgânicos descartados diariamente por restaurantes mais conscientes têm um novo destino: virar adubo para hortas produtoras dos temperos que esses mesmos estabelecimentos vão usar. Um ciclo que o Instituto Guandu faz acontecer e multiplicar
O trabalho é de formiguinha. Diariamente, um funcionário do Instituto Guandu estaciona o pequeno furgão diante de oito restaurantes paulistanos e recolhe grandes sacos de lixo orgânico. Por dia, leva até 500 quilos de restos de alimentos até a sede da empresa, em São Bernardo do Campo. A etapa seguinte não dura mais do que meia hora. Adicionado a enzimas que eliminam o mau cheiro e aceleram o processo de compostagem, o lixo é processado por uma máquina e sai do outro lado na forma de um rico composto orgânico. Após cinco dias de descanso a céu aberto, volta aos restaurantes para adubar hortas de ervas e hortaliças mantidas pelo time da empresa.
Fundado em 2013 pela paulistana Fernanda Danelon, 41, o Instituto Guandu é pioneiro nesse tipo de serviço em São Paulo. Entre os clientes, que pagam a partir de um salário-mínimo por mês, estão a rotisseria Mesa III, da chef Ana Soares e os restaurantes Tête à Tête, Attimo, Epice e Eau, este último, no hotel Grand Hyatt.
De acordo com o chef Alberto Landgraf, proprietário do Epice, a solução exigiu poucas adaptações da equipe da cozinha. Antes, quando dependia da coleta noturna feita pela prefeitura, seus funcionários encerravam o expediente deixando 1 tonelada de lixo na porta. Agora, os latões pernoitam dentro de uma sala refrigerada e são recolhidos às 10 h. “O Guandu treinou meus funcionários, pois a separação dos resíduos deve ser cuidadosa. Nenhum pedacinho de plástico pode ficar junto dos restos de comida. Mas a prática se torna fácil depois que entra na rotina”, ele garante. Sem espaço físico para plantar uma horta, Landgraf recebe sua recompensa em ramos. “A Fernanda até planta ervas raras que encomendo, como a maria-luísa (com a qual ele faz sorvete, entre outros pratos).”
Tecnologia mineira
As enzimas que o Instituto Guandu usa para transformar o lixo em composto foram desenvolvidas e patenteadas pela empresa Bioideias, com sede em Uberaba (MG). Quem conhece o proprietário, Lázaro Sebastião Robert, 60, lembra facilmente do Professor Pardal, personagem dos quadrinhos de Walt Disney.
Desde que abandonou a faculdade de agronomia pela metade – achava que pesquisas, no Brasil, fi cavam muito restritas ao meio acadêmico e traziam poucos benefícios práticos para a sociedade –, ele se dedica a desenvolver soluções para resíduos de toda a espécie, dos industriais aos domésticos. Foi assim que depois de alguns anos “vendendo o almoço para comprar a janta (sic)”, como ele brinca, suas ideias finalmente começaram a ser aceitas pelo mercado. O primeiro contrato de porte foi assinado em 2011 com o Grupo Ancar Ivanhoé, administrador do Shopping Eldorado, em São Paulo. A Bioideias instalou uma pequena estação de compostagem no subsolo e, há quatro anos, transforma o lixo orgânico proveniente da praça de alimentação, aproximadamente 1 tonelada diária, no composto orgânico que nutre uma grande horta comunitária plantada no telhado. Não há terra nos canteiros – o composto orgânico dá conta do recado sozinho – e, para facilitar a mobilidade, tudo está organizadamente acomodado em caixas. O resultado dessa operação é que legumes e vegetais frescos são distribuídos para todos os funcionários do shopping.
O sucesso fez a Ancar Ivanhoé adotar a compostagem em outros quatro shoppings do grupo: os cariocas Nova América, Boulevard Rio e Botafogo Praia Shopping, além do CenterVale, em São José dos Campos (SP). Em breve, entra em operação a estação do BH Shopping, na capital mineira. O próximo passo é chegar às escolas. “Criamos um módulo de estação de compostagem para o Colégio Dante Alighieri”, comemora Robert. “O equipamento será adaptável a pequenas cozinhas e minha intenção é disponibilizá-lo em sistema de leasing, para torná-lo acessível.” Há três tamanhos: até 500 kg/dia (R$ 18 mil), até 250 kg/dia (R$ 12 mil) e até 100 kg/dia (R$ 7,5 mil).
Solução doméstica
A compostagem rápida de lixo dentro de casa é uma realidade mais próxima do que se pode imaginar. Ao mesmo tempo que divulgava a tecnologia das enzimas para grandes estabelecimentos comerciais, Robert quebrava a cabeça na tentativa de criar uma solução sob medida para a área doméstica. No ano passado, chegou lá. “A partir de um triturador de lixo para pia, desenvolvi um equipamento que transforma pequenas quantidades de resíduos em composto. Basta ter o kit de enzimas.” O aparelho ainda não tem nome definitivo, mas já foi testado por 34 residências ao longo de 120 dias. “Recebemos nota 8,5 dos moradores”, comemora o empresário, que planeja colocar o produto à venda ainda em 2015. “Uma grande empresa de equipamentos para cozinha se interessou em fabricá-lo e já assinou um protocolo de intenção.”