A atriz que faz a Urraca, em Escrava Mãe, da Record, fala dos 43 anos de carreira e da vida cheia de emoções
Impossível conversar com a Jussara Freire sem se emocionar e gargalhar ao mesmo tempo. A paulistana gosta de bater um bom papo e se lembrar de fatos que aconteceram com ela, tanto na vida pessoal como na trajetória artística. Se bem que as duas se misturam, já que a atriz tem no currículo 32 novelas, além de filmes e peças teatrais de sucesso.
Na telinha, a estrela se destacou, por exemplo, em Pantanal (1990), na extinta TV Manchete, como a lindíssima e apaixonada Filó. Foi também a Olga e depois Clotilde, de Éramos Seis (1977/1994), na Tupi/SBT; Dora Castilho, de Os Imigrantes (1981), na Band; a Tosca, de Belíssima (2005), na Globo; e Carmem Laranjeira, em Vidas Opostas (2007), na Record TV; entre outros papéis memoráveis.
Jussara também tem orgulho do filhão, o diretor Caetano Caruso, de 37 anos, fruto de seu segundo casamento, com o ator Marcos Caruso. Ela vive em São Paulo e, recentemente, ficou viúva do terceiro marido: “Foi um período bem difícil, e que ainda estou superando”, revela.
Hoje, aos 64 anos, a intérprete comemora a escolha de Escrava Mãe, como finalista do Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), como melhor novela de 2016 – a escolha acontecerá no dia 30. “Fiquei muito feliz!”, contou ela, que faz a vilã Urraca no folhetim.
TITITI – Você tem boas lembranças da infância?
Jussara Freire – Nasci em São Paulo, capital, e tenho uma história bem bonita… Quando eu estava com 1 ano, minha mãe (Sarah) foi internada em Campos do Jordão (SP) com tuberculose e permaneceu lá por quase cinco anos e não podia me visitar. Então, fui criada pelos meus tios-avôs, Ana e Vadico. Fiquei com eles até fazer 7 anos, quando ela voltou e me levou pra morar com ela e meu pai, Ely. Foi quando o conheci.
E como ficaram seus tios?
Foi bem traumático para eles também. Era apegada com meus tios, e meus pais não tinham os mesmos padrões. Eu não entendia o que estava acontecendo. Sai da Alameda Jaú, que na época representava um status grande, para um quarto de pensão em São Vicente, no litoral paulista.
E você quis ir?
Tinha que ir, fazia parte daquela família. Mas o casal feliz foi até os meus 11 anos, porque depois meu pai e minha mãe se separaram. Ele era alcoólatra, bem difícil…
Foram duas realidades totalmente diferentes, certo?
Sim. Aprendi cedo a encarar a vida com outra realidade. Era outro tipo de infância quando deixei a casa dos meus tios. Mas sinto orgulho do meu pai e da minha mãe, eles foram geniais e, inconscientemente, sempre pensaram em fazer o melhor. Meu pai era estivador, enquanto a minha mãe, atendente de farmácia, faxineira… Tudo para me manter no melhor colégio, São José (em Santos), que era particular.
Como era sua vida numa escola de gente rica?
Não me lembro de se falar em bullying naquela época. Mas fui recusada, sim, pelas meninas ricas. Como era um colégio católico, aos domingos tinha missa e, para comungar, ficávamos em jejum. Então, era obrigado levar um bolo para depois, aí todos faziam um lanche comunitário. Mas eu era hostilizada, porque nunca levava nada, pois não tínhamos dinheiro. Mas nunca me senti vítima de nada. Foi tudo muito bom.
Mas os professores sabiam da situação da sua família?
Sim, e uma madre chamada Laura tinha um carinho profundo por mim. Tanto que me fazia recitar no palco do colégio, fazer apresentações culturais. Ela sempre dizia: “Chamem a Jussara!” E ali foi surgindo, quem sabe, a atriz…
Qual lição aprendeu com seus pais e tios?
Acho que respeito pelos mais velhos, hierarquia é bom e eu gosto, pode dar uma opinião, mas sem ferir. Sempre tive ideias fortes, às vezes batia de frente com o meu pai, mas sabia que ele era meu pai e o respeitava.
O que sonhava quando criança?
Ser advogada! Achava bárbaro defender as pessoas. Imaginava ter três castelos: um só pra cuidar de velhinhos, um outro para crianças e um terceiro para cachorros. Tenho paixão por cães.
Como entrou para o teatro?
Voltei a morar com meus tios aos 15 anos, em São Paulo. E permaneci com eles até o meu primeiro casamento. Casei com 20 anos, com Ednaldo Freire, que fazia teatro amador como eu. Acho que nos casamos para nos libertar, para seguir a carreira. Estou há 43 anos na estrada e me mantenho na mídia pelo fato de ser atriz ainda respeitada, não por ser queridinha do autor de novela ou diretor. Quero morrer trabalhando… Se bem que não gosto muito da morte.
Por que diz isso?
Não sei, não gosto. Este ano foi muito difícil, alguns amigos do meio artístico se foram e ainda perdi o grande amor da minha vida, que faleceu em abril. Então, ficou tudo complicado.
Sinto muito pela sua perda.
Perdi a pessoa que me ensinou a amar e a ser amada.
O que faziam juntos?
Adorávamos cozinhar. Fazíamos peixe com curry indiano, arroz de coco, de manhã tinha ovos mexidos, era todo um ritual. Foram dez anos juntos…
Você veio do teatro, mas fez muita televisão. É apaixonada pelo vídeo?
Adoro televisão! Quando comecei, em 1973, era melhor ainda porque as pessoas não sabiam como fazer aquilo e eram mais dedicadas. Aprendemos juntos, diretores, atores, técnicos… Morei em Ribeirão Pires (SP) por três anos, e comecei a trabalhar na Record. Ia de trem e ônibus até a emissora. Lá via da coxia dona Laura Cardoso, Márcia Real, Márcia de Windsor, ficava olhando como elas atuavam, e até marcavam o texto. Observava os gestos, as coisas acontecendo.
Fala um pouco da Urraca. Inspirou-se em alguém?
Ah, ela é uma personagem maravilhosa! Era pra ser uma vilãzona, mas conversei com o Gustavo Reiz e o Ivan Zettel (autor e diretor) e pedi para mostrá-la mais operística. E eles acharam ótimo, por- que é mimada, dissimulada e destoa de todas as pessoas. Não uso essa coisa de me inspirar. Infelizmente, como a novela entrou no ar já toda gravada, a personagem poderia ter crescido mais conforme o povo fosse gostando. Mas a Urraca ficará marcada na carreira como um tipo queridinho por mim.
Como foi atuar em uma novela terceirizada (feita por uma produtora, a Casablanca, para a Record TV)? Faria novamente?
Não, porque foi tudo muito corrido por uma questão de espaço físico e tempo. Não estou falando mal da Record, nem da produtora, mas não entendi o sistema, e nem vou entender. Acho que tinha que ter tido um tempo normal para fazer uma novela. Por exemplo, os cenários não ficavam prontos, então optavam por gravar 80 capítulos com o personagem do Luiz Guilherme (coronel Quintiliano), tudo naquele ambiente. Então, pode prestar atenção, tem pouquíssimas trocas de roupa na trama inteira.
E a indicação ao Prêmio da APCA, hein?
Nossa, que demais, fico muito feliz! É uma novela que dá audiência e, apesar de tudo, valeu a pena! Já recebi dois APCAs como Melhor Atriz, um por Pantanal e outro por Vidas Opostas. E o Gustavo Reiz é só um menino, e escreve bem, vai se ouvir falar bastante desse cara!
Tem algum desafeto na TV? Como lida nesses casos?
Ah, não sou de guardar histórias. E se, eventualmente, acontece algo, falo com a pessoa, digo: “Está muito chato, está acontecendo isso, e isso, e podemos chegar a um acordo?” Sou sincera. E na tela ela será minha irmã, amiga, filha o que for. Vou passar sempre muita verdade, porque vou ser sempre 100% com o meu personagem. Isso para mim é mais importante do que qualquer desavença.
Você recebeu convite da Globo para Velho Chico. E do SBT para Carinha de Anjo. Por que não topou?
Para Velho Chico não foi um convite, apenas uma consulta. O Luiz (Fernando Carvalho, diretor artístico da Globo) queria muito que eu pudesse fazer a trama, mas como Escrava Mãe não tinha ido ao ar ainda, eu não poderia estrelar dois folhetins inéditos. Já quando o SBT me chamou, a gente também não tinha a data de término de Escrava. Então, também não deu certo.
Quem é Jussara fora da TV e do teatro?
Não sou bipolar (risos)! E danço conforme a música em alguns sentidos, no meu ambiente de trabalho, por exemplo. Fora dele sou uma pessoa dedicada, bem-humorada, com vários defeitos, mas nenhum de caráter. Tenho algumas intolerâncias, e ando procurando a fé de novo.
Perdeu a sua fé?
Sou católica, meio espírita, vou à missa aos domingos, gosto da religião. Ela vem pelo amor, ou pela dor. Cheguei a contar minha perda ao padre e afirmei que tinha perdido a fé. E ele me confortou, dizendo que só por estar procurando já a tinha reencontrado.
Curte ser avó da Clarice, de 6 anos, e do Bento, de 4?
Não tanto quanto eu gostaria. Não consigo ser avó tradicional, mais presente, pois não tenho tempo. Mas também não fui uma mãe tradicional para o Caetano. Lembro que quando ele tinha 10 meses, eu e o Caruso viajamos o Brasil inteiro fazendo teatro com ele debaixo do braço.
Como lida com a maturidade?
Estou muito bem com isso. Acho que os outros não gostam do envelhecimento, cultuam o corpo. Você só vai ser jovem se morrer cedo.
Mas você foi considerada sexy symbol em Pantanal, por exemplo…
Uma loucura! Mas não me achava tão bonita em Pantanal, não. Foi minha ascensão como atriz, sabia? Se tivesse dado conta (de que era sexy), talvez minha carreira tivesse tomado outro rumo. Porém, tenho orgulho do que construí! ssíve