A jornalista Rosane Queiroz falou com Bons Fluidos sobre seu mais recente livro: Musas e Música – a Mulher por Trás da Canção (ed. Tinta Negra)
BONS FLUIDOS: Você passou 10 anos pesquisando as mulheres que inspiraram as mais belas canções da música popular brasileira. Como foi a seleção?
Rosane Queiroz: Eu parti dos nomes femininos mais conhecidos como Marina, Lígia, Anna Júlia, Kátia Flávia… e depois fui abrindo para os nomes que remetem a uma figura de mulher como Tigresa, Vera Gata, Pérola Negra. O critério foi fechar nesses nomes e nas canções mais conhecidas do público. Afinal, não adianta ter uma música chamada Joana ou Clarice, se ninguém conhece.
BF: E o que deu o start para colocar o livro em andamento? Houve um episódio, um fato curioso?
RQ: Na época, eu trabalhava numa revista feminina e pintou uma reportagem sobre o tema. Sou apaixonada por música, toco piano e adoro cantar MPB, Bossa Nova etc. A pauta caiu para mim e eu pirei… fiquei um mês atrás das histórias, e me encantei muito especialmente com a Lígia do Tom. Tom Jobim é um ícone para mim. Desde a publicação dessa matéria, já imaginei que daria um livro, e nunca mais abandonei o assunto. Só que, nesse meio tempo, o mundo roda, a vida também, trabalho pela sobrevivência, então não podia parar para fazer um projeto independente. Nos últimos três anos, contudo, coloquei como prioridade, me virei nos 30 e fiz, de maneira independente, mas já com uma editora interessada na publicação.
BF: Qual das histórias demorou mais tempo para você escrever? Por quê?
RQ: Tem duas musas que me deram mais trabalho, não exatamente para escrever, porque os depoimentos tem mais ou menos o mesmo tamanho e intensidade. A Preta Pretinha, dos Novos Baianos, foi uma musa que demorei para encontrar, porque não tinha pistas além do nome dela (“Socorro Nogueira”), que tinha vivido em Juazeiro (quando foi noiva do Luiz Galvão, parceiro do Moraes Moreira) e que atualmente, segundo o compositor, devia morar em Salvador. Bem, lista telefônica, Facebook, tudo ajuda, mas com um nome tão comum fica difícil. Galvão enfim se lembrou que ela tinha uma irmã, fotógrafa, que acabei encontrando no facebook. Fui mandando milhares de mensagens para todos os conhecidos e possíveis conhecidos, passei meus contatos. Um belo dia, recebi um email da socorro. “Você está me procurando?”. Aí, combinamos a entrevista. Ela é arquiteta, uma mulher belíssima que guarda lindas lembranças dos 2 anos de noivado com o Galvão.
A outra foi a Anna Barroso, mulher do Lenine há 30 anos. Ele aponta ela como sua musa de todas as canções, mas ela é super discreta, low profile. Foram muitos e-mails e pedidos até que um belo dia ela topou contar a história de amor dos dois. Falamos duas horas por telefone e fiquei comovida com o quanto esse casal se adora. Não é à toa que Lenine diz: “Musa é trampolim e rede de segurança”.
BF: Todas as histórias devem ser suas preferidas, mas há alguma coisa sobre a confecção do livro que você adoraria contar e que eu não perguntei?
RQ: Eu gosto muito do contexto de Lígia, em que a Lygia Marina de Moraes, então professora primária da Beth, filha mais velha do Tom Jobim, o acompanha até uma entrevista que ele daria a Clarice Lispector, na casa dela, no Leme. Era uma tarde chuvosa, ela e mais uma amiga foram no fusca azul do Tom. São elementos deliciosos da história que rendeu uma das canções mais bonitas do Tom, no meu entender. E tem também a Risoflora, musa mocinha do Chico Science, do Manguebeat. É uma música das menos conhecidas, mas tem uma história superbonita dos dois, Chico e Maria Duda, moça do Recife. Risoflora é o nome de uma flor do mangue.
Também é curioso observar que a única musa que continua com o compositor é a Anna do Lenine. Todas as outras foram namoradas, mulheres, objetos de desejo ou de admiração. O que faz pensar que as musas acontecem. E ficam mais eternizadas na canção do que na vida dos próprios compositores por quem foram amadas.
BF: Não há muitas músicas com nome de homem. Ou seja, não há muitos musos. Você desconfia de algum motivo?
RQ: Essa é uma questão que abordei com alguns compositores. Tirando o Leãozinho e o Menino do Rio, de Caetano, o Amigo de Fé, do Roberto Carlos, que afinal são canções feitas também por homens, é raro ver uma canção de uma compositora endereçada a um muso com nome e sobrenome. Primeiro, as mulheres compositoras são minoria. Segundo, que a “cantada” em forma de canção é algo que culturalmente ficou como masculino, desde os tempos dos trovadores. Mas acho que isso precisa mudar. Vamos fazer músicas com os nomes deles?
** Na revista Bons Fluidos de maio, você poderá degustar o capítulo Trilha Sonora do Adeus, que está no livro de Rosane Queiroz. Nele, a escritora conta a história de Drão, uma das mais belas composições de Gilberto Gil. Uma pista: “Drão” vem do aumentativo de Sandra, terceira mulher do Gil.