Intérprete de personagens queridas, como a Ceci de Velho Chico, ela conta sobre a infância pobre, o início da trajetória e a paixão pela eterna namoradinha do Brasil
Com um sorriso farto e uma fala deliciosamente cantada, Luci Pereira, 57 anos, fez altas revelações a nossa reportagem. Aos 44 anos de carreira, a atriz e artesã, natural de Campina Grande (PB), conquistou mais de 11 prêmios ao longo da vida artística. Entre eles o troféu Gilberto Freire Cine de 2003, pelo filme Narradores de Javé, como Melhor Atriz Coadjuvante. O longa deu maior visibilidade à estrela nordestina que já era consagrada em sua terra natal pela peça Machos, de Saulo Queiroz. “Foi sucesso de bilheteria na Paraíba, com sessões com casa lotada em mais de dez anos em cartaz”, contou ela que hoje encanta o país na pele da curandeira e sábia Ceci, de Velho Chico.
Morando hoje em Sampa, Luci revelou como foi a infância pobre na Paraíba e também do amor com que foi criada pelos bisavós. Mas tem muito mais!
TITITI – Conta um pouco da sua vida… O que se lembra da infância?
Lembro-me do teatro… Eu tinha 13 anos quando fiz minha primeira peça na igreja evangélica. Meus pais, ou melhor, meus bisavós (Vigulino Pereira da Costa e Severina da Costa) me levavam. Na época se chamava de “drama”.
Mas tinha alguém da família que a inspirava?
Não. Mas acho que meu avô era ator, viu? Ele não sabia ler nem escrever, mas como tinha decorado a Bíblia falava os capítulos no culto. As pessoas achavam que estava lendo…
Você disse que foi criada pelos bisavós. E seus pais?
Não os conheci. Quer dizer meu pai, sim, mas nem quero falar dele. Já a minha mãe me entregou com 15 dias e foi embora para o Rio. A única notícia que tive é que foi morta… Mas teve outros filhos, se casou…
Conheceu seus irmãos?
Nunca, mas gostaria de conhecer. Só que nem sei quem são.
O que sonhava quando criança?
Em fazer teatro, sempre! E vou lhe dizer, minha inspiração é a diva Regina Duarte! Sou louca apaixonada por ela, e a Regina sabe disso!
Já esteve com ela pessoalmente?
Já, tive o prazer de conhecer e falar isso para ela. Aliás, comecei a assistir novelas por causa dela, sabia? Eu era moça e só na casa do lado tinha televisão. Eu lavava os pratos e arrumava a casa da vizinha só para assistir a Regina na TV (risos).
Qual era o folhetim?
Sétimo Sentido (Globo, 1982). Ela fazia par com Francisco Cuoco.
Ah, como foi seu encontro com a musa inspiradora?
Eu estava fazendo a Ondina, de Caminho das Índias (2009). E o João Gomes, filho da Regina, que era câmera, ficou sabendo da minha história e armou o barraco todo. No dia, minha filha, ela chegou ao estúdio C da Globo e me procurou. E eu, vendo aquele monstro sagrado na minha frente… Quase morri de tanto chorar de alegria.
Recorda de algum ensinamento de seus pais que segue até hoje?
Na verdade lembro de tudo que me ensinaram. Era uma crianças pobre criada por bisavós, e não tinha bajulação. Muito pelo contrário, existia a palmatória. Levei várias, tanto em casa quanto na escola. Era o meu pai quem mandava tipo um coronel. Ele tinha muitas regras e ensinamentos também.
Você já comentou que trabalhou na roça. O que fazia?
Colhia feijão e milho… No roçado a gente levava duas bissacas (sacolas de pano) para colocar os grãos. Fazia isso num terreno de 20 a 30 metros, debaixo de sol ou chuva. O que tivesse…
Muita coisa do que acontece em Velho Chico você já enfrentou, né?!
Tudo, tudo, tudo… O sofrimento daquele povo em volta do rio, a linguagem, a plantação, a luta para viver.
Fala um pouco mais sobre o começo do teatro?
Então, aos 13 anos passei a estudar numa escola evangélica congregacional. Só entrava lá gente rica, mas meu pai ganhou uma bolsa. Do lado da escola tinha um teatro chamado Severino Cabral, para mais de 800 pessoas. Eu ficava sonhando em me apresentar ali. Um dia ouvi num programa de rádio que Wilson Mor, um professor de arte dramática, aplicaria um curso. Enlouqueci, pois queria fazer e não tinha como pagar.
E como conseguiu fazer?
O vigilante do teatro, seu Joel, chamou minha mãe e perguntou se queria que ele desse um jeitinho. Só que dona Severina tinha que assistir junto aos ensaios. E olha que bonito… Em nenhum momento ela me impediu. Ao contrário, me levava e eu fazia o curso junto com adultos… Lembro que como era período de ditadura, eles me escondiam quando a polícia aparecia. E não parei mais.
Você é bastente conhecida no nordeste… Construiu sua vida inteira como atriz?
Não. A gente paga para fazer teatro e o que ganha é o prazer. Mas fiz muitas peças com textos maravilhosos da Lurdes Ramalho. Passei com grandes diretores como o Raimundo Formiga, Cláudio Morza e Hermano José. Mas sou artesã e faço tudo, desde figurino a cenário. Construí com sacrifício uma casinha em Campina Grande depois da peça Machos, do Saulo, que fez o espetáculo baseado na minha vida. E sabe aquele Wilson Mor?
O que tem ele?
Anos depois fui descobrir que ele foi um dos maiores professores da Regina Duarte, no Rio. Isso foi uma felicidade imensa (risos).
Como era ser evangélica e atuando em teatro?
A igreja não queria que eu continuasse nos palcos. Diziam que era coisa de vida profana, de drogada, prostituta… falavam isso para a minha mãe e meu pai. Só que ao invés de me tirarem de lá, foram sempre a favor.
Você é casada?
Já me casei, e não foi bom, não (risos). Do primeiro nasceu a Ana Priscila, hoje com 30 anos. E tenho o Tolyan, 27. São de pais diferentes… Mas sou solteira graças a Deus (risos). E sigo em paz.
E como chegou à TV?
Tenho duas primas que moram em São Paulo, e quando meus pais faleceram decidi vender a casinha na Paraíba e vir para a capital paulista. Eu e meus dois filhos. Na época ela tinha 13 e ele 7. Não foi fácil, pois, não queria morar na casa de ninguém… Queria ter meu canto.
Foi em Sampa, então, que pintou a oportunidade?
Sim. Morei três meses num quarto e cozinha e fazia de tudo pra sobreviver. Faxina, gelinho, coxinha, doces, salgados e fui pegando clientela. E Alexandre Azevedo, um grande artista paraibano, tinha um galpão de teatro na Vila Madalena. Fui atrás dele! No galpão eu fazia faxina, comida nordestina, tudo… Um dia teve um teste da cineasta Eliane Caffé, participei, e fui chamada para o longa Narradores de Javé.
Ele foi o trampolim para as novelas, né?
Sim. Aí fiz Caminho das Índias (2009), com o saudoso Elias Gleizer. Aquele bordão “abusante” pegou de uma maneira absurda! Depois fiz a série Tal Pai, Tal Filho (2010) e tive o prazer de trabalhar com o Fábio Jr.. Fiquei embasbacada com aquele homem (risos)! Na sequência veio Salve Jorge (2012), na qual eu dava palpite no casamento da Dona Helô (Giovanna Antonelli). E agora esse presente do Benedito Ruy Barbosa e do Luiz Fernando Carvalho.
E o que tem achado da Ceci?
Como já falei, é presente, uma poesia… Ela fala da história de vida do nordestino, que batalha, sofre e vence. Acho que a Ceci possui alguns mistérios para solucionar, pois tem outros filhos além da Beatriz (Dira Paes), que saíram para o mundo e não voltam.
Está um pouco longe de acabar Velho Chico… Mas tem outros projetos para este ano?
Sim, um espetáculo em Campina Grande com o Saulo Queiroz. Estou batalhando para capitalizar, mas ainda leva um tempo… E espero um convite da Gloria Perez para a próxima trama dela. Adoro aquela mulher (risos)!