Pense em um filme que vai cativando pelas beiradas. Uma pitada de ternura atrás da outra. Fogo brando. Até que, de repente, somos arrebatados pela força poética da delicadeza
É dessa forma que o longa-metragem Sabor da Vida (Drama, França, Alemanha, Japão, 2015, 1h53min, California Filmes), dirigido por Naomi Kawase e lançado em DVD (R$ 39,90), fala de comida, mas, acima de tudo, de relações. Quanto de nós impregna aquilo que fazemos todos os dias, além da maneira como interagimos e nos ligamos com o ambiente e com as pessoas ao redor? Eis a reflexão destilada pela personagem Tokue, dedicada senhora que se oferece para ajudar Sentaro a cozinhar e vender dorayakis – panquecas recheadas com pasta doce de feijão vermelho – numa pequena lanchonete em crise. Tokue não detém apenas uma inigualável receita dessa iguaria, o que acaba por reerguer o negócio. Apesar da saúde frágil, ela zela por cada etapa do preparo, saboreia o aroma encorpado pela quentura do tacho, escuta o borbulhar da mistura como se ouvisse uma rara sinfonia, conversa com o alimento, observa, mexe, remexe, espera, sorri. É amiga do tempo. E da natureza – que se exibe por meio de exuberantes cerejeiras em flor, árvore símbolo do Japão, que colorem o caminho da idosa até o trabalho. Com a mesma leveza, a personagem tece amizades, lê o íntimo dos outros, traz à luz o melhor que habita em cada um. E, por onde passa, deixa sua doçura tão sábia. “O filme retrata o encontro de duas personagens que se unem para enfrentar os obstáculos da vida. Quantas vezes temos de ser derrubados antes de podermos alcançar o paraíso?”, filosofa a diretora. (RCM)